terça-feira, 8 de junho de 2010

dia um (2ª parte)

Já dentro do carro, olha-mo-nos mais angustiados e amedrontados, com a esperança perdida. A ansiedade misturada com o cansaço, o começar a entrar verdadeiramente na gravidade da situação, descarregou-me adrenalina para me manter alerta. A estrada, que seguiu paralela ao leito seco e decorado com pequena e rara vegetação, deu lugar a um trilho montanhoso e poeirento. A proximidade de aldeias e campos plantados, eram agora miragens, numa gigantesca paisagem árida e montanhosa. À nossa frente, o “motinhas” (apelido pelo qual o ficamos a tratar) indicava o trajecto. Atrás, na caixa da pick-up, dois guerrilheiros em pé, armados, cara tapada por lindíssimos lenços ondulando ao vento.


O Sol batia forte e de frente.

O calor, imenso.

Os ray-ban espelhados do chefe, reflectiam em “grande-angular”, a enormidade da paisagem, o olhar do afegão que conduzia a pick-up, bem como o nosso próprio rosto, sempre que nos olhava. Mantinham sorrisos abertos e gesticulavam ao falar.

Por cada quilómetro percorrido, mais longínqua, mais morosa e penosa se tornava a experiência. Tentei não cair em descrença.

Sempre que subíamos uma montanha, a esperança no que iria ver do outro lado, logo se desvanecia com a enormidade das outras que se aproximavam.

De repente, próximo a uma zona arborizada, pedregosa, tipo delta de rio seco, o motinhas fez desaparecer a moto por entre a vegetação. Paramos as pick-up sob um tecto de pequenas a folhosas árvores, correram atrás de ramos para cobrir por completo as pick-up, pareciam sincronizados. As ordens eram transmitidas por gestos vigorosos da Afegão e do chefe. A velocidade com que se camuflaram, bem como as posições que tomaram, demonstrou a experiência e técnica de guerrilha do grupo.

Ao longe um ruído de helicóptero.

Os cobertores com que nos cobriram, serviam para nos esconder e prender.

O estar a viver aquela situação quase de guerra, com um grupo armado no meio do nada, aguçou-me a curiosidade. Levantei, ligeiramente, o pano que me cobria. À minha frente o chefe e o afegão, um de rádio outro de kalashnikov, olhando fixamente o céu, atrás encostados à margem três guerrilheiros armados, um deles com um lança-granadas apontado para cima. Senti medo. O meu campo de visão, bem como a forma como colocaram os ramos, não me permitia ver mais nada.

O som do helicóptero ia e vinha, aproximando-se vagarosamente, como se andasse em círculos, ainda distantes.

O fim de tarde aproximava-se, a luz cada vez mais azulada, as sombras meio deitadas, a aragem e aquele enorme silêncio, só cortado por breves e sussurradas conversas entre o chefe e o Afegão. Tinha voltado a calma. O helicóptero já tinha partido.

De repente, retiraram parte dos ramos e começaram a descarregar as caixas das pick-up. Obrigaram-nos a ajudar, tendo inclusivamente brincado ao darem-nos um saco pesadíssimo que não conseguimos levantar.

Subimos, com alguma dificuldade, o que me pareceu uma queda de água e começamos a descarregar as pick-up. Um pequeno e arborizado vale, circundado por enormes picos pedregosos, serviria de acampamento. A primeira verdadeira noite aproximava-se.

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